terça-feira, 30 de setembro de 2008

SEM OS ANIMAIS RACIONAIS A CIÊNCIA NÃO AVANÇA

No Brasil, há que se esclarecer definitivamente o binômio “Abolicionistas” e “Vivisseccionistas”. Enquanto os primeiros almejam tratamento ético a todas as espécies animais, os últimos restringem a ética somente aos seres humanos. A grande contradição da ciência vivisseccionista é o fato de considerar os animais suficientemente diferentes dos seres humanos a ponto de excluí-los da esfera moral, porém satisfatoriamente semelhantes para usá-los como cobaias em infindáveis triagens experimentais. O termo correto é exatamente triagem. Isso porque o ponto final de tais pesquisas são os seres humanos: modelos animais, devido à variedade inter específica e aos restritos desenhos experimentais desenvolvidos para cada situação, não garantem efeito terapêutico e/ou inocuidade de novos fármacos ou técnicas em seres humanos. Assim, o princípio da ciência vivisseccionista consiste em primeiro testar exaustivamente em diversas espécies animais devido aos tipos e graus de injúrias a que serão submetidos antes e durante os experimentos e certamente por desconhecer os resultados experimentais que serão obtidos para depois testar na própria espécie humana. A morte é o último destino das cobaias após a coleta dos dados experimentais, permaneçam estas saudáveis ou não e ainda que a triagem tenha sido bem sucedida, o ser humano segue correndo risco.

O especismo, preconceito dos seres humanos em relação às demais espécies, tornou-se o refúgio moral dos cientistas interessados na vivissecção. Deste modo, contanto que a triagem não seja realizada em seres humanos, é moralmente justificável afirmar que a ciência não avança sem o uso de animais. E as inúmeras vidas das outras espécies não são consideradas importantes em seus próprios experimentos desenvolvidos para buscar a cura das doenças do homem. Isto, em outros termos mais explicativos, é trabalhar pelo bem estar da população humana, independente da aplicação da ética às outras espécies escolhidas como modelos experimentais. As comissões de ética surgiram nas universidades exatamente para mitigar esta total isenção da ética na pesquisa. A partir de então, os cientistas interessados na vivissecção pretenderam tornar-se parcialmente éticos com os animais. Porém, se o papel da ética é estabelecer limites em ações prejudiciais a terceiros, não há fração de ética: ou ela existe ou não existe. Na vivisseccção, a noção do emprego do limite é polêmica e está relacionada a duas circunstâncias. Para a elaboração dos experimentos, o limite é não avançar sem modelo animal – condição única para subsistência e perpetuação da ciência vivisseccionista. Neste ponto, o ineditismo do experimento limitar-se-ia ao desenvolvimento de novas técnicas, aos testes de substâncias químicas e à observação comportamental, fisiológica, bioquímica, farmacológica; sempre acompanhadas de modelo animal, resultando em entrave na aquisição do conhecimento. E considerando a condição ética dos experimentos com tais modelos, até pouco tempo atrás não havia limites de ação assim como atualmente não existe um padrão universal moral estabelecido pelas (e para) as comissões de ética nas várias instituições envolvidas com vivissecção e, desta forma, cada uma rege o seu próprio código, subordinado ao código federal.

Ainda, afirmar que a ciência não avança sem o uso de animais é um equívoco de generalização. Considerar que, ao longo do tempo, o grande acúmulo de conhecimento em assuntos diferentes foi postulando subdivisões nas ciências, reunindo especialistas nas grandes áreas denominadas humanas, biológicas e exatas, especificamente um braço da ciência -a ciência vivisseccionista - não avança sem o uso de animais. A vivissecção é ciência, mas evidentemente nem toda ciência é vivissecção. Por isso o equívoco da generalização.

A pretensão do desenvolvimento de métodos substitutivos ao uso de animais por uma classe de cientistas atados à lógica cartesiana é infrutífera. Primeiro, porque nesta linha de raciocínio filosófico, a única possibilidade de geração de conhecimento na área da saúde se dá por meio da pesquisa vivisseccionista - cujo material essencial é o animal vivo e sadio – e em quantidade suficiente de indivíduos para gerar médias e desvios padrões a fim de minimizar as diferenças intra-específicas. Segundo porque, para o pesquisador que investiu tempo (2 anos no mestrado e 4 no doutorado) em linhas de pesquisas compreendendo a vivissecção, a idéia da libertação animal em seus laboratórios é assustadora, comprometendo de forma direta seus títulos, suas medalhas de honra ao mérito, patentes, suas carreiras acadêmicas e científicas nas universidades, seus projetos de pesquisa baseados em experimentação animal, seus alunos de pós-graduação, publicações de artigos científicos, citações dos artigos vivisseccionistas (que passarão a ser considerados obsoletos), investimentos em biotérios onerosos, materiais permanentes e de consumo. Surge a sensação de vazio e a necessidade de remodelação de laboratórios e linhas de pesquisa.

Os abolicionistas formam um segmento particular dos protetores de animais e seguem uma linha coerente em suas defesas. Para eles, não pode haver contradição e, sendo veganos, não se alimentam de animais, não vestem materiais derivados deles, não se divertem às suas custas, além de não usarem quaisquer produtos testados em animais. Lêem e estudam. Alguns publicam livros e artigos. Muitos abolicionistas são também cientistas, doutores em áreas diversas, inclusive na biológica. Orientam alunos de pós-graduação, supervisionam doutores. Ministram palestras munidas de argumentações filosóficas, jurídicas e científicas. Conhecem outros filósofos além de Descartes. Citam Jeremy Bentham, Gary Francione. Os abolicionistas podem ser considerados protetores de animais, porém o contrário não se aplica.

Inegavelmente a discussão central sobre uso de animais em pesquisa envolve a questão moral dos experimentos com animais e a necessária continuidade do desenvolvimento da pesquisa para melhorar as condições físicas e psicológicas do ser humano. A maneira pela qual as pesquisas vivissecionistas são conduzidas pode e deve ser abolida. É exatamente a metodologia experimental que precisa ser mudada agora e não o objetivo da pesquisa. Existe um horizonte mais amplo que a utilização de animais na busca do saber científico.

Os cientistas interessados na vivissecção jamais concordarão com os abolicionistas, apesar da percepção da crueldade de seus experimentos – conceitualmente a vivissecção deixa de existir com a libertação animal.